XV
Ruy Cid
Polla veiga de Granada
El-rei moiro passeiava,
De sua lança na mão,
Com que pássaros matava:
Nã lhe dava pollos pés,
Nem pollos azas lhe dava;
Dava-lhe certo no bico,
Que logo los derreava.
E, nisto, lhe chegam novas
Ou`Alfama lh`era tomada.
E Cramou
- « Ai, Alfama,minh`Alfama,
Que m`estavas mal guardada!
Ainda hontem, dos moiros;
Hoje, dos christãos ganhada!
Ai,Alfama, minh` Alfama,
A fogo sejas queimada,
S`amanhã lo sol raiar
Sem de moiros ser c`roada!»
E chamou por seus moiricos,
Que lh'andavam na lavrada;
Nã lhe vinham um a um;
Quatro, cinco, de manada.
E disse:
- «Quem é lo avenluroso
Que me ganh' esta jornada?»
Respondeu-Ih' um moiro velho,
De cem annos, menós nada;
- «Esta batalha, bom rei,
Só por vós será ganhada:
E lo perro de Ruy Cid
Lo tereis pela barbada;
La sua Ximena Gomes
Será vossa captivada;
Sua filha Don' Urraca
Será vossa mancehada;
E la outra, mais chiquita,
P'ra vos servir, descalçada.»
Huy Cid, qu` stav` ouvindo
Da torre, sua morada,
Logo chamou sua filha
Dona Urraca chamada.
E lhe disse:
- «Veste, filha, teus brocados;
D'ir á festa mais honrada;
De chapins d'oiro, não prata,
Vem, tu filha, bem calçada;
E já, já, põe t' á janella,
Ao caminho defrontada.
Em quanto vou cavalgar
E cingil la minha 'spada,
Detem-me tu lo rei moiro,
Qu' ha de passar na estrada.
Vae tu palavr' em palavra,
Cada qual bem demorada;
Cada uma dellas todas
Que seja d'amor tocada;»
Pergunta ella:
- «Como lh`hei fallar d`amor,
Se d`amor eu nã sei nada?»
Responde Ruy Cid:
- «Falla-lhe desta maneira,
Uma falla bem fallada:
«Bem appar`cido, rei moiro,
Nesta hor`abençoada!
Há sept`annos, já sept`annos,
Que de vós sou namorada ;
Já vae correndo nos oito;
Quero m`ir por vós furtada.»
Vestida de seus brocados,
De chapins d`oiro calçada,
´Sta Urraca de janella
Ao caminho defrontada;
E deitando olhos ao longo,
Vê lo rei que vem na estrada,
E lo moiro, que la viu,
La saudou, bem cortejada:
- «Alá vos guarde, senhora,
Nesta hor`afortunada!»
Éll, então, desta maneira
Fallou falla bem fallada;
E de palavr`em palavra
Cada qual bem demorada,
Cada uma d`ellas todas
Era do amor tocada:
- «Bem appar'cido. rei moiro
Nesta har' abençoada!
Ha sepl' annos, já sept' annos,
Que de vós sou namurada;
Já vae correndo nos oito;
Quero m'ir por vós furtada.» -
- «Senhora, n'isso que qu'reis,
Andaes bem aconselhada:
De tantas mulheres qu'eu tenho,
Só vós sais ue mim amada;
Sereis rainha dos moiros,
Em grandes festas c'roada;
De duzentos mil vassallos
Tere-is vossa mão beijada.»
ÉIl' então lhe diz, com pena,
J i talvez enamorada:
- «I-vos d'aqui, meu rei moiro;
Nã me cuideis refalsada.
Assomar vi cavalleiros,
Que lá vem de mão armada
Com meu pae, lo dom Ruy Cid,
A correr à desfilada.»
Responde lo moiro:
- «Nã me temo de Ruy Cid,
Nem de sua gent' armada;
Só temo lo seu Babieca,
Filho da minh egua baia:
Perdi-lo numa batalha;
Bem lhe sinto la patada.»
E lo moiro lá se vae
De carreira desfechada,
Por meio duma courella
Jã do arado cortada:
- Mal haja-lo lavrador,
Que fez tamanha lavrada!»
Lo moiro sempre correndo
De carreira desfechada,
Vae a caminho do rio,
A' barc' ahi costumada:
- “Também mal hajas barqueiro,
Que tens la barca varada!»
E, na sua egoa baia,
De carreira desfechada,
Logo se metteu ao rio,
Que nã tinha qu'esp'rar nada.
E ia cramando:
- «La mulher mãe dum só filho,
Ai, que mãe tão desastrada!
Espora, que delle caia,
Por niguem será tomada!
Que lo firam, que lo matem,
Nã tem la morte vingada!
Mas, se desta me vou; salvo,
Oh, que desforra tirada!»
No comenos, vem Ruy Cid,
Vê lo rnoiro ir a nado;
E,de raivoso, lh'atira
Um dardo, bem apontado.
E diz:
- «Guardae-me lá genro meu,
Este dardo bem guardado.»
E, no corpo do rei moiro,
Ficou lo ferro cradado.
E lo moiro foi cramando:
- «Como guardar-te, Ruy Cid,
Esse dardo traiçoado.
Se me vae a dentro d`alma,
No corpo atravessado?
Mas nã môrra desta feita,
Que te prometto, sagrado,
Varar-te c`um cento delles.
Sem precisar ser rogado.»
E morreu.
del "ROMANCEIRO do archipelago da Madeira" publicado por ALVARO Rodrigues Azevedo (1880)
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